quinta-feira, 14 de março de 2013

HABEMUS PAPAM - TEMOS UM PAPA






Romero Venâncio avalia duas obras de membros da Igreja Católica Romana sobre aos possíveis rumos de uma das instituições mais poderosas do mundo, para afirmar: Francisco I está longe de ser o que os católicos precisam.

*por Romero Venâncio
É público e notório a crise porque passa a Igreja Católica Romana nos últimos 20 anos. Desde o encerramento nos anos do famoso “Concilio Vaticano II” onde o episcopado católico tentou colocar Igreja na rota do mundo moderno, que uma crise instalou-se na surdina e entre fiéis e clero e varou décadas até chega nos últimos anos numa intensidade sem precedentes no catolicismo romano.
Dois livros escritos em épocas diferentes indicam um sintoma dessa crise. O primeiro foi “Igreja: Carisma e Poder”, de Leonardo Boff nos anos 80. Nesse trabalho teológico de eclesiologia, temos um diagnóstico do poder na Igreja Católica e da maneira como é exercido pela cúria romana sem meias palavras.
Boff chama de “patologias do catolicismo romano” os graves problemas porque passa a Igreja ao longo dos anos e a sua peculiar maneira de ocultá-lo do povo ou de tentar resolver sempre pela forma autoritária. O próprio Boff foi vitima deste mesmo poder ao ser punido pelo então Cardeal Ratzinger, acusado de “posicionamento herético e ofensivo ao magistério da Igreja”.
A teologia da Libertação, na voz e nos escritos de seus teólogos e teólogas alertava para a crise e clamava por uma Igreja mais popular, mais evangélica e menos apegada ao poder e menos encastelada no poder da cúria romana. Nem precisa dizer que isso jamais foi escutado pelos que detém o poder real dentro catolicismo romano.
Mais recentemente, o teólogo Hans Kung lançou o livro “A Igreja tem salvação?” (2011) na Alemanha. Nesse “livro-diagnóstico” o padre alemão chama a atenção para a crise violenta que vive a Igreja e que os seus prelados parecem querer enganar-se ou enganar os fiéis.
A igreja (em particular, os que detêm o poder) não quer perceber o comportamento anacrônico em relação aos temas relevantes do mundo contemporâneo: condição da mulher, homossexualidade, novas formas de família, capitalismo predatório, crise do masculino, “fastio de espiritualidade”, celibato obrigatório sem sentido para os padres e freiras, etc.
Segundo o teólogo: “A Igreja católica está doente, talvez doente de morte. Retrógrada, fixada no elemento masculino, eurocentrada e arrogando-se detentora da única verdade”. Isso dito por padre e teólogo alemão! Nem precisaria dizer mais.
Hans Kung vai no ponto: a Igreja perdeu o passo do mundo moderno e sempre se torna reacionária em relação a esse mesmo mundo moderno, desatualiza o Evangelho como método. O resultado é o moralismo, o autoritarismo, o formalismo e as suas consequências: pedofilia alastrada entre o clero, repressão absurda dos sentimentos, uma concepção anacrônica de família, o machismo religioso abjeto e a centralização do poder cada vez mais na cúria romana.
A renúncia do Papa Bento XVI (acontecimento raro na história da Igreja) e a o propalado dossiê sobre a situação interna da Igreja foi o ponto mais alto dessa crise e da impossibilidade de fazer vista grossa do fenômeno.
Os cardeais foram rápidos diante da crise e da necessidade de escolher um novo Papa. A escolha recaiu sobre um cardeal argentino de nome Jorge Mario Bergoglio. Jesuíta de formação e pastor muito preocupado com questões familiares e canônicas, esse foi o homem que os membros do conclave escolheu para guiar a Igreja e enfrentar a crise agônica que marca o catolicismo romano atual.
Duas surpresas: um latino para Papa e o nome escolhido para o pastoreio, “Francisco” (referência direta ao santo mais amado do catolicismo. Difícil saber exatamente a razão da escolha do nome. Pode ser uma jogada de marketing? Necessidade de mudança? Indicação de vida frugal? Recado aos poderosos?
Sabemos que o novo Papa enfrenta sério questionamento da sua atuação como bispo na Argentina de não ter tomado posição enérgica contra a ditadura sanguinária que se abateu no seu País. Sequestro de crianças, tortura brutal, assassinatos e quase trinta mil militantes de esquerda. Onde estava o Cardeal Bergoglio? Quais os seus escritos de denúncia dessa situação de ditadura (como fez no Brasil os Bispos Helder Câmara e Paulo Evaristo Arns)? Visitou ele jovens presos nos porões das prisões argentinas durante a ditadura? Não sabemos exatamente. Sabemos de seu silêncio durante o regime ditatorial.
Impossível prever como será o papado de Francisco.  A crise continuará e exigirá coragem para enfrenta-la com politica pastoral efetiva. Podemos apenas pensar algumas coisas possíveis, tais como: um olhar mais misericordioso (em sentido franciscano) para os mais pobres, para as mulheres na Igreja e fora dela; uma compaixão e compreensão com a homossexualidade como uma “experiência sexual normal” na vida de qualquer ser humano; um enfretamento contundente à lógica do Capital e um saneamento necessário nas contas e gastos da cúria romana, com seu banco suspeito de lavagem de dinheiro.
Tarefa homérica terá o novo Papa. Que São Francisco, efetivamente, seja seu guia e que a “coragem rebelde franciscana” seja seu método. 13 de março de 2013 pode ser um marco ou pode ser mais um continuísmo anacrônico. A Sé não esta mais vacante, mas estará cheia do amor de Francisco de Assis e da sua coragem rebelde? A história é quem dirá.
*Romero Venâncio é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe.

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