Romero Venâncio avalia duas obras de membros da Igreja Católica
Romana sobre aos possíveis rumos de uma das instituições mais poderosas do
mundo, para afirmar: Francisco I está longe de ser o que os católicos precisam.
*por
Romero Venâncio
É público e notório a crise porque passa a Igreja Católica
Romana nos últimos 20 anos. Desde o encerramento nos anos do famoso “Concilio
Vaticano II” onde o episcopado católico tentou colocar Igreja na rota do mundo
moderno, que uma crise instalou-se na surdina e entre fiéis e clero e varou
décadas até chega nos últimos anos numa intensidade sem precedentes no
catolicismo romano.
Dois livros escritos em épocas diferentes indicam um sintoma
dessa crise. O primeiro foi “Igreja: Carisma e Poder”, de Leonardo Boff nos
anos 80. Nesse trabalho teológico de eclesiologia, temos um diagnóstico do
poder na Igreja Católica e da maneira como é exercido pela cúria romana sem
meias palavras.
Boff chama de “patologias do catolicismo romano” os graves
problemas porque passa a Igreja ao longo dos anos e a sua peculiar maneira de
ocultá-lo do povo ou de tentar resolver sempre pela forma autoritária. O
próprio Boff foi vitima deste mesmo poder ao ser punido pelo então Cardeal
Ratzinger, acusado de “posicionamento herético e ofensivo ao magistério da
Igreja”.
A teologia da Libertação, na voz e nos escritos de seus teólogos
e teólogas alertava para a crise e clamava por uma Igreja mais popular, mais
evangélica e menos apegada ao poder e menos encastelada no poder da cúria
romana. Nem precisa dizer que isso jamais foi escutado pelos que detém o poder
real dentro catolicismo romano.
Mais recentemente, o teólogo Hans Kung lançou o livro “A Igreja
tem salvação?” (2011) na Alemanha. Nesse “livro-diagnóstico” o padre alemão
chama a atenção para a crise violenta que vive a Igreja e que os seus prelados
parecem querer enganar-se ou enganar os fiéis.
A igreja (em particular, os que detêm o poder) não quer perceber
o comportamento anacrônico em relação aos temas relevantes do mundo contemporâneo:
condição da mulher, homossexualidade, novas formas de família, capitalismo
predatório, crise do masculino, “fastio de espiritualidade”, celibato
obrigatório sem sentido para os padres e freiras, etc.
Segundo o teólogo: “A Igreja católica está doente, talvez doente
de morte. Retrógrada, fixada no elemento masculino, eurocentrada e arrogando-se
detentora da única verdade”. Isso dito por padre e teólogo alemão! Nem
precisaria dizer mais.
Hans Kung vai no ponto: a Igreja perdeu o passo do mundo moderno
e sempre se torna reacionária em relação a esse mesmo mundo moderno,
desatualiza o Evangelho como método. O resultado é o moralismo, o
autoritarismo, o formalismo e as suas consequências: pedofilia alastrada entre
o clero, repressão absurda dos sentimentos, uma concepção anacrônica de
família, o machismo religioso abjeto e a centralização do poder cada vez mais
na cúria romana.
A renúncia do Papa Bento XVI (acontecimento raro na história da
Igreja) e a o propalado dossiê sobre a situação interna da Igreja foi o ponto
mais alto dessa crise e da impossibilidade de fazer vista grossa do fenômeno.
Os cardeais foram rápidos diante da crise e da necessidade de
escolher um novo Papa. A escolha recaiu sobre um cardeal argentino de nome
Jorge Mario Bergoglio. Jesuíta de formação e pastor muito preocupado com
questões familiares e canônicas, esse foi o homem que os membros do conclave
escolheu para guiar a Igreja e enfrentar a crise agônica que marca o
catolicismo romano atual.
Duas surpresas: um latino para Papa e o nome escolhido para o
pastoreio, “Francisco” (referência direta ao santo mais amado do catolicismo.
Difícil saber exatamente a razão da escolha do nome. Pode ser uma jogada de
marketing? Necessidade de mudança? Indicação de vida frugal? Recado aos
poderosos?
Sabemos que o novo Papa enfrenta sério questionamento da sua
atuação como bispo na Argentina de não ter tomado posição enérgica contra a
ditadura sanguinária que se abateu no seu País. Sequestro de crianças, tortura
brutal, assassinatos e quase trinta mil militantes de esquerda. Onde
estava o Cardeal Bergoglio? Quais os seus escritos de denúncia dessa situação
de ditadura (como fez no Brasil os Bispos Helder Câmara e Paulo Evaristo Arns)?
Visitou ele jovens presos nos porões das prisões argentinas durante a ditadura?
Não sabemos exatamente. Sabemos de seu silêncio durante o regime ditatorial.
Impossível prever como será o papado de Francisco. A crise
continuará e exigirá coragem para enfrenta-la com politica pastoral efetiva.
Podemos apenas pensar algumas coisas possíveis, tais como: um olhar mais
misericordioso (em sentido franciscano) para os mais pobres, para as mulheres
na Igreja e fora dela; uma compaixão e compreensão com a homossexualidade como
uma “experiência sexual normal” na vida de qualquer ser humano; um enfretamento
contundente à lógica do Capital e um saneamento necessário nas contas e gastos
da cúria romana, com seu banco suspeito de lavagem de dinheiro.
Tarefa homérica terá o novo Papa. Que São Francisco,
efetivamente, seja seu guia e que a “coragem rebelde franciscana” seja seu
método. 13 de março de 2013 pode ser um marco ou pode ser mais um continuísmo
anacrônico. A Sé não esta mais vacante, mas estará cheia do amor de Francisco
de Assis e da sua coragem rebelde? A história é quem dirá.
*Romero
Venâncio é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de
Sergipe.
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